A verdade é que me apeteceu. E depois de me apetecer, fiz. Sempre acompanhada da mesma questão, sempre com a mesma dúvida, sempre a perguntar-me porquê?, e logo uma coisa qualquer, por detrás da cortina transparente da janela, e porque não? Seria uma voz, ainda que não se ouvisse? Não. Era, muito provavelmente, só uma coisa qualquer que não sabia o que dizia. Ainda assim, segui-a. Se é para ficar, para alimentá-lo todos os dias na tentativa de crer que algo válido, se é para o encher com reflexões que valham a pena, ainda não decidi. A verdade é que me apeteceu e fiz. Não sei porquê, nem porque não, mas curiosamente esse facto não é inquietante e, arrisco confessar, confere-me até uma sórdida liberdade. Veremos...
Por dulce surgy

Subscrevo

""Devias escrever coisas cómicas", dizem-me às vezes. E eu concordo."

A mão à palmatória

Pronto, ok, concordo. Os pardalitos cantam, as florinhas desabrocham ou qualquer coisa assim, as andorinhas já cá deviam estar mas não tardam se Deus quiser, e a praia, e o Verão, e os restaurantes apinhados de ementas em Inglês e Alemão (até, por vezes, em Francês, hein?)... enfim, a perfeição. E embora os santos já vão no fim a esfumar o cheiro da sardinha a dois euros cada uma, as festas multiplicam-se. Os carrinhos de choque apitam toda a noite, os polvos, os barcos de piratas, os cangurus dão voltinhas apressadas com gritinhos sincronizados nas descidas e subidas, saltam as pipocas cor-de-rosa enquanto os ursinhos de "I love you" estampado nas barriguinhas gordas fazem as delícias das namoradas recentes. Mas pronto, ok. Concordo com a necessidade de ver tudo de uma forma mais positiva.

Sem medo

Baixo os braços, não para desistir, para te abraçar. Para parar de lutar. Baixo as mãos e abro-me, não para te deixar entrar, para poder sair, poder ser. Não para desistir. O sol acompanha-me. Estou aqui. E amo-te.

Estas partes de mim

Tantas partes em mim guerreiam
ao pôr do sol, cores, sons, seres
que te espantam, saltam de páginas
em rosa pálido, vagueiam entre o sofá
e a cama e deslizam pelas sombras.
Diurnas, conheço-as bem, conheces também,
os sorrisos, as brisas calmas, e as mãos
em concha para pousar os teus olhos, abrigo, mas
exonera o sol, apaga-o, convida a lua e galga,
baú de mágico, de azul-negro, o ser
convulsivo, carnaval de membros, vastidão
bailante sob nossos destroços húmidos e cálidos.
Uma boca imensa aspira o teu tempo, recuas
em coxos voares, escorregas, quase cais.

E os meus braços,
trepadeiras distendidas em teu redor,
riem demoniacamente neste fim de tarde.

A nossa vida tem um minuto

Não me deixes porque, sem ti, fico vazia.Porque dentro de mim só existes tu, mais o vento que vagueia entre ossos e sonhos perdidos. Se saíres agora ficam só os ecos a lembrar-me que nada sou. Fica só o Outono e as folhas caídas entre o coração e o resto das entranhas que se chegaram para lá, para que coubesses. Enches-me o corpo e a alma e parece-me que até o passado, o tempo antes de ti, como se sempre tivesses estado aqui, pontinha verde-transparente rente ao solo, esperando os raios da manhã para se desdobrar.Não me deixes porque, sem ti, só vento. Já tive família um dia, e até nessa família tu cabes e enches um espaço, feito para ti, que não se conhecia. A minha mãe, quando te soube, a desprezar-te sem sequer te olhar, uma mão nas ancas e a outra na trouxa das blusas, cuspida à porta, aos pés de meu pai. Com elas vinham saias e lembranças e infâncias, o meu passado embrulhado que entornei num ombro e arrastei dali para fora, do mesmo modo que te arrastei a ti; atiçada pelos olhos raivosos nas minhas costas. Tornei-me só tua, nada mais é meu. Nem as mãos que te acariciam, sem te tocar, me pertencem. Nem a minha boca em monólogos sussurrados que não escutas. Nem esta cama de lençóis brancos, nem estas paredes, nem a janela de sons de andorinhas, me pertencem. Não me deixes porque, sem ti, nada. E as mulheres de bata que rodeiam a cama e ajeitam os lençóis brancos seguram-me a mão enquanto tu rasgas mais que folhas, rasgas o medo dos ecos e o saco de memórias que trazia, ainda, pendurado no braço, rasgas o muro que havia na frente de meus olhos, que agora cai, e parece-me ver até uma outra vida, um novo começo.Segredas, tranquila, Eu não te deixo, eu estou aqui, e fica-me, assim, o ventre vazio, as entranhas compostas, voltam-me, agora, os ossos ao sítio que eram antes. Choras, assim como eu, que os ecos também te abalam e os ventos uivam dentro de ti, porque já se nasce com espaços vazios, à espera de alguém, e eu também prometo Eu não te deixo, eu estou aqui.

Leve, Leve...

Às vezes acontece, raras vezes é certo, mas ainda assim, acontece. Pensar que tenho o mundo na mão e que este não pesa nada. Nadinha. Tu a escorregares, uma coisa a aquecer-me o peito, e o meu olhar a entrar tua pele adentro. E então, nessa hora, sou só um corpo a amolecer de amor, a abraçar tudo o que és, a confiar em nós. E amolecer de amor, afinal, não pesa nada. Nadinha.

Como dizer melhor?

Há quanto tempo,tudo isto? Abro o armário onde o tempo antigo se enche de bolor e fungos; limpo os papéis, cartas que talvez nunca tenha lido até ao fim, fotografias cuja cor desaparece, substituindo os corpos por manchas vagas como aparições; e sinto, eu próprio, que uma parte da minha vida se apaga com esses restos.
Nuno Júdice, Um rosto (excerto)

Completamente desnecessário

Culturalmente, temos a convicção de que as tragédias nos elevam a alma. Pensamos que o discernimento nos vem da quantidade de aflições por que passamos. De cada vez que nos acontece cair escadas abaixo, consola-nos o facto de ficarmos mais fortes, mais sábios. É esta forma de encarar o sofrimento como uma mais-valia a nossa arma defensiva contra o ataque da frustração. Não fosse pensarmos que nos servia de alguma coisa as dores da alma, e estas não passariam disso mesmo, sofrimento, dor, auto compaixão. Assim, damos um sentido a todas as avalanches que nos vão soterrando a vida, convencendo-nos de que, bem vistas as coisas, elas até são necessárias e valiosas. Promovemos as nossas decepções a fisioterapeutas acometidos de sincera preocupação no recuperar dos nossos membros flácidos de desconhecimento e ignorância, mostrando os seus melhores sorrisos a cada esgar de dor. E vivemos bem assim.

Desabafo inconsequente

O que dizer quando não se sabe o que dizer? Como acalmar as rugas na testa no momento em que uma coisa estala cá dentro, um alarme, penso eu, um apito avisando Oh Diabo!? Onde pôr as mãos quando o medo as torna molhadas e a vontade de desaparecer faz retorcer os dedos uns nos outros? Porquê, pergunto-te eu, aguentar mais uma hora, mais duas, mais tantos anos ainda, quando os braços dos outros me parecem enormes e os seus olhos alfinetinhos miúdos a picar como os pingos daquela chuva que não molha? Porquê, volto a perguntar-te, forçar as costas direitas quando o que apetece é voltar para aquele cantinho tão confortável, tão seguro, tão vazio?
Na minha frente, tu sossegado a teceres palavras numa calma alarmante Oh Diabo!, e eu, que nestas alturas não aguento o silêncio, remato em jeito de resumo:
Como ser quando não se sabe como ser?

Cá dentro, algures

Da soleira da porta o gato olha-me, semi-olha-me, só metade do verde à mostra, só uma voz de gato a ronronar, e eu a deixar-me ficar, de caneca de chá fumegante numa mão e um tempo interminável na outra. Na rua, em sentidos oblíquos sem padrão reconhecível, passam, milagrosamente sem colidir, alguns mortos. Cuido eu que mortos, já que só espectros indefinidos, mas se calhar não mortos, e apenas dentro de mim um nevoeiro a entorpecer os sentidos e a tonelada de minutos que me sobram a fazer de mim semi-olhos pardacentos numa soleira de porta. Tantos anos eu sentada quieta, medindo a rua a arrolar modelos na esperança de encontrar algum que me sirva, que me assente como uma luva, que me faça, será pedir muito?, feliz. Os sentimentos estragados a embaciarem-me a visão, o fumo do chá a ajudar a turvá-la, e eu quieta, aguardando, enquanto o gato, da soleira da porta, impaciente, será pedir muito?, espera que eu feche o caderno, pare de anotar, e procure não lá fora, mas no sítio certo.

Podemos todos aprender algo com isto

Se insistes em ser escritor faz algo diferente. Vai onde mais ninguém vai. Escreve o que mais ninguém escreve. Conta histórias que ninguém quer ouvir. Escreve por amor.

Equívoco desfeito

Vocês sabem lá como era a minha avó. Olhava o mundo, sorria (sem saber porquê) e todas as suas ranhuras moldadas para se encaixar na perfeição. Os olhos subidos a imitar girassóis, ainda que lá em cima só cinzento, e ela feliz (sem saber porquê). Nos dias como o de hoje, em que o sol se põe mais depressa, a gente a pedir Fica mais um pouco e ele a sumir-se numa pressa de vermelho vivo, a minha avó quedava-se numa calma sábia e deixava-o ir Adeus. Eu não percebia, sempre chorei com coisas tristes, o sol a fugir por trás dos prédios, o inverno, os amola-tesouras, a verdade, o derreter de um gelado. Quando miúda, ainda mal me chegava o peito ao parapeito da janela, vinha um mar de água empurrado garganta acima a desaguar nos olhos, e não sabia se por ele ou pela chuva que o alimentava, quando olhava a rua esta mais distorcida e os prédios não prédios, coisas móveis a escorregar, paredes, janelas a dissolverem-se até ao chão. Hoje nem choveu, mas lá fora, nem sei se no céu ou mais abaixo, uma coisa a puxar aquele mar de outrora, eu a ver-me miúda de novo e a minha avó mesmo ali, de pétalas ao alto, finalmente a segredar-me Eu nunca disse adeus, disse sempre até amanhã.

Mais uns anos disto

Sessenta e quatro por cento. Sessenta e quatro por cento e mais uns anos. Pensava-se que não, havia quem dissesse que a mudança estava no ar... Falso alarme. Vale a pena recordar a frase: “Não fizemos uma Revolução Islâmica para introduzir a democracia. A nossa revolução visa o poder mundial. A onda da revolução islâmica em breve se espalhará através do mundo." (Mahmoud Ahmadinejad)

Pois...

Pode ser que noutro dia me apeteça dizer algo sobre isto, neste momento não sei o que diga.

Statement

A verdade é que hoje me apeteceu. E depois de me apetecer, fiz. Sempre acompanhada da mesma questão, sempre com a mesma dúvida, sempre a perguntar-me porquê?, e logo uma coisa qualquer, por detrás da cortina transparente da janela, e porque não? Seria uma voz, ainda que não se ouvisse? Não. Era, muito provavelmente, só uma coisa qualquer que não sabia o que dizia. Ainda assim, segui-a. Se é para ficar, para alimentá-lo todos os dias na tentativa de crer que algo válido, se é para o encher com reflexões que valham a pena, ainda não decidi. A verdade é que hoje me apeteceu e fiz. Não sei porquê, nem porque não, mas curiosamente esse facto não é inquietante e, arrisco confessar, confere-me até uma sórdida liberdade. Veremos...
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