A verdade é que me apeteceu. E depois de me apetecer, fiz. Sempre acompanhada da mesma questão, sempre com a mesma dúvida, sempre a perguntar-me porquê?, e logo uma coisa qualquer, por detrás da cortina transparente da janela, e porque não? Seria uma voz, ainda que não se ouvisse? Não. Era, muito provavelmente, só uma coisa qualquer que não sabia o que dizia. Ainda assim, segui-a. Se é para ficar, para alimentá-lo todos os dias na tentativa de crer que algo válido, se é para o encher com reflexões que valham a pena, ainda não decidi. A verdade é que me apeteceu e fiz. Não sei porquê, nem porque não, mas curiosamente esse facto não é inquietante e, arrisco confessar, confere-me até uma sórdida liberdade. Veremos...
Por dulce surgy

Equívoco desfeito

Vocês sabem lá como era a minha avó. Olhava o mundo, sorria (sem saber porquê) e todas as suas ranhuras moldadas para se encaixar na perfeição. Os olhos subidos a imitar girassóis, ainda que lá em cima só cinzento, e ela feliz (sem saber porquê). Nos dias como o de hoje, em que o sol se põe mais depressa, a gente a pedir Fica mais um pouco e ele a sumir-se numa pressa de vermelho vivo, a minha avó quedava-se numa calma sábia e deixava-o ir Adeus. Eu não percebia, sempre chorei com coisas tristes, o sol a fugir por trás dos prédios, o inverno, os amola-tesouras, a verdade, o derreter de um gelado. Quando miúda, ainda mal me chegava o peito ao parapeito da janela, vinha um mar de água empurrado garganta acima a desaguar nos olhos, e não sabia se por ele ou pela chuva que o alimentava, quando olhava a rua esta mais distorcida e os prédios não prédios, coisas móveis a escorregar, paredes, janelas a dissolverem-se até ao chão. Hoje nem choveu, mas lá fora, nem sei se no céu ou mais abaixo, uma coisa a puxar aquele mar de outrora, eu a ver-me miúda de novo e a minha avó mesmo ali, de pétalas ao alto, finalmente a segredar-me Eu nunca disse adeus, disse sempre até amanhã.

3 comentários:

paixão disse...

Parabéns, minha deusa da pena! que seja este o inicio de uma produtiva carreira bloguistica.
beijo a ti e tal e coiso


PS: também escrevo muita bem, não escrevo?

nêta disse...

Irrepreensível. Um texto ao teu nível. Igual a ti, como tu és.
O João tem razão. Mantém-te na área literária. É aí que te queremos.
Beijo grande e espero mais.

MU disse...

estou siderado :)

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