A verdade é que me apeteceu. E depois de me apetecer, fiz. Sempre acompanhada da mesma questão, sempre com a mesma dúvida, sempre a perguntar-me porquê?, e logo uma coisa qualquer, por detrás da cortina transparente da janela, e porque não? Seria uma voz, ainda que não se ouvisse? Não. Era, muito provavelmente, só uma coisa qualquer que não sabia o que dizia. Ainda assim, segui-a. Se é para ficar, para alimentá-lo todos os dias na tentativa de crer que algo válido, se é para o encher com reflexões que valham a pena, ainda não decidi. A verdade é que me apeteceu e fiz. Não sei porquê, nem porque não, mas curiosamente esse facto não é inquietante e, arrisco confessar, confere-me até uma sórdida liberdade. Veremos...
Por dulce surgy

A nossa vida tem um minuto

Não me deixes porque, sem ti, fico vazia.Porque dentro de mim só existes tu, mais o vento que vagueia entre ossos e sonhos perdidos. Se saíres agora ficam só os ecos a lembrar-me que nada sou. Fica só o Outono e as folhas caídas entre o coração e o resto das entranhas que se chegaram para lá, para que coubesses. Enches-me o corpo e a alma e parece-me que até o passado, o tempo antes de ti, como se sempre tivesses estado aqui, pontinha verde-transparente rente ao solo, esperando os raios da manhã para se desdobrar.Não me deixes porque, sem ti, só vento. Já tive família um dia, e até nessa família tu cabes e enches um espaço, feito para ti, que não se conhecia. A minha mãe, quando te soube, a desprezar-te sem sequer te olhar, uma mão nas ancas e a outra na trouxa das blusas, cuspida à porta, aos pés de meu pai. Com elas vinham saias e lembranças e infâncias, o meu passado embrulhado que entornei num ombro e arrastei dali para fora, do mesmo modo que te arrastei a ti; atiçada pelos olhos raivosos nas minhas costas. Tornei-me só tua, nada mais é meu. Nem as mãos que te acariciam, sem te tocar, me pertencem. Nem a minha boca em monólogos sussurrados que não escutas. Nem esta cama de lençóis brancos, nem estas paredes, nem a janela de sons de andorinhas, me pertencem. Não me deixes porque, sem ti, nada. E as mulheres de bata que rodeiam a cama e ajeitam os lençóis brancos seguram-me a mão enquanto tu rasgas mais que folhas, rasgas o medo dos ecos e o saco de memórias que trazia, ainda, pendurado no braço, rasgas o muro que havia na frente de meus olhos, que agora cai, e parece-me ver até uma outra vida, um novo começo.Segredas, tranquila, Eu não te deixo, eu estou aqui, e fica-me, assim, o ventre vazio, as entranhas compostas, voltam-me, agora, os ossos ao sítio que eram antes. Choras, assim como eu, que os ecos também te abalam e os ventos uivam dentro de ti, porque já se nasce com espaços vazios, à espera de alguém, e eu também prometo Eu não te deixo, eu estou aqui.

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