A verdade é que me apeteceu. E depois de me apetecer, fiz. Sempre acompanhada da mesma questão, sempre com a mesma dúvida, sempre a perguntar-me porquê?, e logo uma coisa qualquer, por detrás da cortina transparente da janela, e porque não? Seria uma voz, ainda que não se ouvisse? Não. Era, muito provavelmente, só uma coisa qualquer que não sabia o que dizia. Ainda assim, segui-a. Se é para ficar, para alimentá-lo todos os dias na tentativa de crer que algo válido, se é para o encher com reflexões que valham a pena, ainda não decidi. A verdade é que me apeteceu e fiz. Não sei porquê, nem porque não, mas curiosamente esse facto não é inquietante e, arrisco confessar, confere-me até uma sórdida liberdade. Veremos...
Por dulce surgy

Cá dentro, algures

Da soleira da porta o gato olha-me, semi-olha-me, só metade do verde à mostra, só uma voz de gato a ronronar, e eu a deixar-me ficar, de caneca de chá fumegante numa mão e um tempo interminável na outra. Na rua, em sentidos oblíquos sem padrão reconhecível, passam, milagrosamente sem colidir, alguns mortos. Cuido eu que mortos, já que só espectros indefinidos, mas se calhar não mortos, e apenas dentro de mim um nevoeiro a entorpecer os sentidos e a tonelada de minutos que me sobram a fazer de mim semi-olhos pardacentos numa soleira de porta. Tantos anos eu sentada quieta, medindo a rua a arrolar modelos na esperança de encontrar algum que me sirva, que me assente como uma luva, que me faça, será pedir muito?, feliz. Os sentimentos estragados a embaciarem-me a visão, o fumo do chá a ajudar a turvá-la, e eu quieta, aguardando, enquanto o gato, da soleira da porta, impaciente, será pedir muito?, espera que eu feche o caderno, pare de anotar, e procure não lá fora, mas no sítio certo.

Sem comentários:

  • 4 (1)
  • 11 (4)
  • 10 (1)
  • 9 (2)
  • 8 (6)
  • 7 (15)
  • 6 (15)
Contador de visitas
:)